O aumento dos gastos com remédios obtidos por meio de decisões judiciais tem se transformado em um dos maiores desafios para a gestão pública da saúde. A pressão por fornecer tratamentos inovadores, muitos deles ainda em fase experimental ou sem aprovação ampla no país, gera um impacto direto nas contas públicas. O cenário mostra que, ao mesmo tempo em que a população busca alternativas para garantir acesso a terapias complexas, o sistema de saúde se vê diante de uma conta que cresce em ritmo acelerado, comprometendo recursos destinados a outras áreas.
Nos últimos anos, o avanço das demandas judiciais ligadas a medicamentos especiais tem chamado a atenção de gestores e especialistas. O crescimento exponencial de ações movidas por pacientes e familiares, em busca de tratamentos muitas vezes inacessíveis pelo custo elevado, obriga o Estado a redirecionar verbas que antes eram destinadas a políticas de prevenção, atenção básica e campanhas coletivas. Essa mudança de foco gera um efeito dominó, onde o equilíbrio orçamentário fica ameaçado e a população mais vulnerável, que depende do sistema público, pode sofrer as maiores consequências.
As terapias genéticas e medicamentos inovadores estão no centro dessa discussão. São tratamentos que representam avanços importantes na medicina, mas chegam ao mercado com preços altíssimos, muitas vezes ultrapassando milhões de reais por paciente. A judicialização surge como o caminho encontrado por quem não pode custear tais medicamentos, mas cria uma distorção, pois força o sistema a priorizar gastos emergenciais em detrimento de políticas planejadas de longo prazo. O dilema é complexo e coloca em pauta a necessidade de rever estratégias para garantir tanto o acesso quanto a sustentabilidade financeira.
Além do aspecto econômico, há também questões éticas envolvidas nesse debate. O direito à vida e à saúde é garantido constitucionalmente, mas os limites orçamentários não podem ser ignorados. A Justiça, ao conceder acesso a esses medicamentos, cumpre seu papel de assegurar direitos individuais, mas ao mesmo tempo pode comprometer a coletividade, ao desviar recursos que seriam aplicados em programas que beneficiam milhões. Essa dualidade evidencia como o tema ultrapassa o campo jurídico e se transforma em um problema de saúde pública de grandes proporções.
Outro ponto que precisa ser considerado é a influência da indústria farmacêutica nesse cenário. Muitas empresas enxergam na via judicial uma oportunidade para introduzir seus produtos no mercado brasileiro, mesmo sem aprovação definitiva dos órgãos reguladores locais. Essa prática coloca em risco não apenas a sustentabilidade financeira, mas também a segurança dos pacientes, que podem ser submetidos a terapias ainda sem comprovação robusta de eficácia ou segurança em larga escala. O Estado, pressionado por decisões judiciais, acaba absorvendo esses custos e riscos.
O impacto da judicialização também afeta a gestão administrativa da saúde. Recursos humanos, logísticos e de planejamento são constantemente realocados para atender às decisões judiciais, prejudicando a execução de políticas já estabelecidas. A dificuldade em prever os gastos futuros compromete a capacidade de planejamento estratégico, deixando os gestores reféns de uma dinâmica imprevisível e onerosa. Essa falta de previsibilidade gera insegurança e amplia a sensação de desequilíbrio dentro do sistema público.
Diante dessa realidade, especialistas defendem a criação de políticas mais claras e transparentes para lidar com a questão. Avaliações rigorosas de custo-benefício, maior diálogo entre o Judiciário e os órgãos de saúde, além de mecanismos que priorizem tratamentos comprovadamente eficazes e acessíveis, são apontados como caminhos para mitigar os efeitos dessa prática. O objetivo deve ser equilibrar o direito individual ao tratamento com a necessidade de garantir a equidade e a sustentabilidade do sistema de saúde como um todo.
Por fim, a discussão sobre os gastos bilionários com medicamentos adquiridos via Justiça reflete uma crise estrutural que exige soluções urgentes. Não se trata apenas de uma questão de números, mas de justiça social, ética e eficiência na gestão dos recursos públicos. A construção de um sistema que seja capaz de oferecer acesso a terapias inovadoras sem comprometer o atendimento coletivo é um desafio que precisa ser enfrentado com responsabilidade, planejamento e cooperação entre todas as esferas de poder.
Autor : Igor Kuznetsov