A recente entrada em vigor da Lei 32/2025 representou uma conquista significativa para quem convive com condições crónicas que impactam diretamente o quotidiano, como é o caso da endometriose. No papel, os direitos foram ampliados, com garantias de faltas justificadas e reconhecimento oficial do impacto da doença na vida das pessoas. No entanto, a prática parece contradizer o espírito da legislação, levantando sérias dúvidas sobre a sua efetiva implementação e sobre o compromisso dos profissionais envolvidos.
Denúncias recentes expõem uma realidade preocupante: há mulheres que, mesmo estando legalmente amparadas, continuam a enfrentar obstáculos no acesso ao que a lei lhes garante. Em diversas unidades de saúde, há relatos de negativas por parte de médicos em fornecer as declarações necessárias. Tal resistência levanta questões éticas e funcionais, pois mina a confiança entre paciente e profissional e deslegitima o sofrimento de quem precisa de amparo institucional.
Mais alarmante ainda é o relato de que algumas escolas têm recusado aceitar essas declarações, colocando alunas e mães em situações constrangedoras e de enorme fragilidade emocional. A recusa, que em teoria fere diretamente a legislação em vigor, revela o desconhecimento ou a falta de preparo de instituições para lidar com a nova norma. Como resultado, famílias são obrigadas a recorrer a queixas formais, desgastando ainda mais um processo que deveria ser de cuidado e apoio.
As queixas dirigidas à ACT refletem o início de um movimento de resistência cívica frente ao que deveria ser um direito inquestionável. O envolvimento de entidades como associações de defesa das mulheres com endometriose tem sido crucial para trazer visibilidade a uma questão que, por muito tempo, permaneceu invisível. Essa mobilização social revela não apenas a ineficácia pontual de uma lei recente, mas um problema estrutural maior: a desconexão entre legislação e prática institucional.
É importante compreender que esse tipo de resistência por parte de profissionais da saúde não decorre apenas de má vontade, mas muitas vezes de uma formação técnica que ignora ou minimiza doenças que não apresentam sintomas físicos constantes. Quando a dor não é visível ou mensurável, ainda há quem duvide da sua veracidade. Isso perpetua um ciclo de silenciamento que já deveria ter sido superado com o avanço da medicina e das políticas públicas.
A saúde feminina tem sido, historicamente, alvo de descredibilização, especialmente quando envolve questões como dor menstrual, fadiga crónica ou outras condições de difícil diagnóstico. A legislação recente tenta corrigir esse percurso, mas ela só será eficaz se for acompanhada de campanhas educativas, formação contínua dos profissionais e fiscalização rigorosa. Sem isso, continuará a ser letra morta para muitas mulheres que ainda lutam para serem ouvidas.
O impacto psicológico causado por essas recusas é muitas vezes negligenciado. Mulheres que sofrem com uma condição crónica são levadas a justificar constantemente suas dores, como se precisassem convencer terceiros da legitimidade de seu sofrimento. Isso contribui para o aumento de quadros de ansiedade, depressão e isolamento social, reforçando a ideia de que o sistema ainda não está preparado para acolher quem precisa.
A esperança reside na pressão social e na mobilização organizada de coletivos e associações que vêm denunciando tais práticas. Somente com visibilidade e fiscalização será possível fazer com que leis como a 32/2025 deixem de ser apenas uma conquista simbólica para se tornarem ferramentas concretas de dignidade e inclusão. Enquanto isso não acontece, muitas continuarão enfrentando portas fechadas, mesmo quando têm o direito de mantê-las abertas.
Autor : Igor Kuznetsov